se tem amor

Eduarda Cividini
3 min readMay 1, 2022

naquela madrugada eu vivi. quatro de março de 2022, centro de curitiba, as luzes da cidade espalhadas atrás de mim e eu sentindo que estava em algum tipo de céu, um escudo de todo o resto do mundo, de todo o resto da minha vida de antes e depois. sempre que me sinto feliz, eu penso assim: não tem antes e depois. como se a felicidade fosse algo que apagasse tudo que não o agora.

era umas três da manhã e eu via música e amor saindo das pessoas de um jeito tão lá do fundo que parecia que meu peito ia explodir de tanto sentimento que nem meu era, que eu estava era pegando emprestado. era música de um jeito que eu nunca tinha presenciado música sendo feita: de olhos fechados e a alma saindo pelos lábios que cantavam e pelos dedos que tocavam o violão sem filtro nenhum, imediato, do coração pra melodia sem ter um segundo sequer pra pensar a respeito, nenhuma hesitação. madrugada de quatro de março e eu olhei o talento nos olhos e o que eu vi foi amor.

é amor que faz sair coisa assim. aquelas pessoas sentadas num apartamento no centro, aquelas pessoas que são família uma pra outra, ou que estão se tornando, uma de cada canto desse mundo, que me deixaram sentar junto e ficar ali conversando, observando, quase fazendo parte. no meio da noite nasceu uma sessão de improviso e eu, de coração exposto, ouvi aquela música que estava nascendo na minha frente e soube que seria a única vez na minha vida que eu iria ouvi-la, música inventada na hora pra esquecer depois, assim como era a única vez que eu iria viver aquela madrugada, e eu senti vontade de me encolher pra conseguir conter tudo dentro do coração, coração que, naquele agora, parecia que era grande demais para caber no meu corpo tão pequeno. não é a vida uma sessão de improvisto?

eu não tenho meus sentimentos próprios, não do mesmo jeito que o sentimento é dos outros, e eu não tenho meus talentos e nem minha voz e nem meu magnetismo, nem nada que seja mais do que eu mesma do jeito que sempre fui, mas me é suficiente estar perto de quem sente tanto, canta tanto, ama tanto. naquela madrugada, viver foi olhar ao redor e pensar, meu deus do céu, que coisa incrível é essa gente aqui do meu lado. essa gente que me deixou entrar, essa gente que ama que chora que sofre que acolhe que abraça. essa gente que não me conhece mas mesmo assim me deixou entrar, essa gente que faz música de uma vez só e trata como cotidiano a coisa mais linda que eu já vi nascer. essa gente que me olha nos olhos e fala que eu preciso me autorizar a ser eu do jeito que eu sou com meus sentimentos e minhas faltas e meus sorrisos tortos.

viver foi isso: essa gente que canta e ama e eu ali no meio, quatro de março, madrugada, sentindo o coração bater mais forte que bateu em anos porque a vida é feia e a vida é o pedreiro no prédio ao lado que é obrigado a trabalhar sem EPI e o cara dormindo na rua na praça do homem nu sem ter o que comer e é a pandemia e a guerra e o coração partido e a solidão que dói e aperta e as lágrimas choradas no escuro, mas a vida também é madrugada bonita e palavras e conselhos e acolhimento e afeto e música sendo feita como quem não cria, mas como quem coloca pra fora algo que sempre esteve ali, esperando pra sair, e no processo acaba criando no ar o infinito dentro de um momento que logo vai acabar. e cria amor. amor e permanência. se houver amor, então fica.

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Written by Eduarda Cividini

escrevo, tomo chá e ouço música.

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